(17 de maio de 1947)
A bordo de um avião da KLM
Sábado à tarde, Terra Nova
Meu gentil, maravilhoso e bem-amado "jovem nativo" (1), você mais uma vez me fez chorar, mas lágrimas doces, doces como tudo o que vem de você. Eu acabara de me acomodar no avião e abrir seu livro, quando tive vontade de ver a sua caligrafia. Voltei para primeira página lamentando não ter pedido a você que nela escrevesse alguma coisa, e eis que elas estavam ali, suas ternas, atraentes e belas palavras. Apoiei a testa contra a janela e chorei acima do mar azul, mas lágrimas doces, lágrimas de amor, do nosso amor. Eu o amo. Antes, o chofer de táxi me perguntara: "É seu marido?" "Não." "Ah, um amigo?", e acrescentara com uma voz cheia de simpatia: "Como ele parecia triste!" Não pude me impedir de dizer: "Nós estamos muito tristes por nos separar. Paris é muito longe!" Então ele começou a falar amavelmente de Paris... Eu estava aturdida, incapaz até de chorar naquele momento. Apenas aturdida. Depois o avião decolou. Gosto de aviões. Quando se vive intensamente uma grande emoção, ele é o único meio de transporte que se adequa ao nosso estado de alma, creio. O avião, o amor, o céu, a tristeza e a esperança constituíam um todo... Eu pensava em você, lembrava-me com cuidado de cada detalhe... Onde está você neste exato momento? Quando você voltar ao nosso pequeno lar, eu estarei lá, escondida sob a cama e em todos os lugares. Doravante estarei sempre com você. Estarei com você como uma esposa amorosa com seu marido bem-amado. Nós não teremos de despertar porque não é um sonho; é uma história real e maravilhosa que apenas se inicia. Eu o sinto comigo e aonde eu for você irá, não apenas seu olhar, mas você inteiro. Eu o amo, e não há mais nada a acrescentar. Você me toma nos braços, eu me estreito contra você e o beijo como costumava beijá-lo.
Sua Simone.
(Trechos do livro: "Simone de Beauvoir , Cartas a Nelson Algren - Um Amor Transatlântico").
Eu fiquei tão triste logo após ler essa carta. Simone nunca pôde viver esse amor tão intensamente quanto o desejou; Algren sequer admitia ter um romance com ela; apesar disso, como ela diz nessa e em centenas de outras cartas endereçadas a ele, ela o amou.
No mesmo período em que escrevia ''O Segundo Sexo'' (1949), tratado sobre a necessidade da emancipação da mulher, confessava para Algren querer serví-lo ''como uma árabe''.
Simone de Beauvoir, na paixão por Algren, pôde - nas palavras da imprensa da França - voltar a ser, apenas, uma mulher.