terça-feira, 6 de março de 2007

Não tropece na língua

Às vezes saber um pouco é mais perigoso do que não saber nada. O que é um "Halver Hahn"? "Eine Billion" não é um bilhão? Como se diz "celular" em alemão? E onde está rolando essa "wasserfest"?

Uma palavra é uma palavra. Mas um termo mal interpretado também pode redundar em espírito festeiro frustrado, erros contábeis astronômicos, saladas e pudins de leite gorados, comer porco por vaca e constrangimentos de toda ordem. E aqui, o complexo idioma germânico não é exceção.
O risco é tanto maior quanto mais você confia em seu poder de dedução e no "pouquinho" do vocabulário que conhece. Sobretudo no alemão, que permite criar novos conceitos por mera justaposição de termos, a simples dedução é uma faca de dois gumes. Não só ocorrem, no dia-a-dia, variações a partir do significado original, como há empregos figurados, falsos cognatos, desvios semânticos e adaptações arbitrárias à realidade local.
A seguir, um rápido guia para se livrar de algumas das armadilhas mais comuns para turistas e recém-chegados:

Billion – Alguém lhe prometeu "eine Billion Euro". Alegre-se mesmo: você será trilionário! Não é um erro de digitação: entre a ordem de grandeza Million (10^6) e Billion (10^12), o idioma alemão tem Milliarde, o equivalente ao nosso bilhão.
Wasserfest – Wasser é água. Bem, já que Oktoberfest é "festa de outubro" (comemorada em Munique, diga-se de passagem, no final de setembro), wasserfest só pode ser alguma festa aquática, certo? Errado: o "fest" neste caso nada tem a ver com festividade, é um adjetivo significando "firme", "resistente", portanto "à prova de". Da mesma forma, feuerfest é "à prova de fogo".
Não há como negar: além de ser, sabidamente, o lugar mais perigoso da casa, a cozinha também é o mais propício a equívocos lingüísticos:
Chicoree x Endivien – Ambas são verduras, ambas meio amargas e podem ser comidas cruas ou cozidas, mas têm aparências completamente diferentes. E nomes tão... lógicos. Só que, acredite se quiser, a lógica funciona exatamente ao contrário em alemão: endiva (também conhecida como endívia belga ou endives: folhas pontudas e lisas, verde esbranquiçado) é Chicoree; enquanto a chicória (chicarola ou escarola: folhas largas e crespas, verde-escuro) é Endivien. Durma-se com um barulho desses! A chave do mistério é que ambas pertencem ao gênero botânico Cichorium.
Porco ou vaca? – No restaurante você pediu Fleisch, que quer dizer carne, claro. Portanto, salvo indicação em contrário, bovina, como no Brasil. Será? Então, o que é que este pedaço de porco (Schwein) está fazendo no seu prato? Um tipo de situação que demonstra o quanto de história, economia, sociologia, hábito, gosto, etc., se esconde por trás de um conceito banal. O default – valor padrão – para "carne" na Alemanha é porco, o principal animal de corte na pecuária e na gastronomia nacionais. O termo específico Schweinefleisch costuma ser reservado para contextos ambíguos. Contudo vem-se tornando mais freqüente, devido a uma maior sensibilização para os tabus alimentares islâmicos e judaicos. A carne bovina é normalmente especificada como Rindfleisch.
Nuss – Um caso semelhante: embora seja um termo genérico e conste do dicionário como "noz", o default para frutos secos na língua alemã é avelã (Haselnuss). Noz é Walnuss.
Kondensmilch – Você está morrendo de saudades do Brasil. Nenhuma jabuticaba à vista, a única cura seria um belo pudim de leite condensado. No supermercado, que surpresa, o Kondensmilch é vendido em caixinhas de papelão. Você segue a receita à risca e o pudim sai um horror. O que aconteceu? O Kondensmilch da Alemanha não tem açúcar, é um leite mais espesso, para temperar o café sem esfriá-lo muito. Mas seu sonho de um pudim ainda não está perdido: ou pergunte por Milchmädchen, da marca também popular no Brasil, ou – em geral, mais fácil de achar e mais barato – recorra ao "gezuckerte Kondensmilch" das lojas de produtos asiáticos.
Halver Hahn – Se você pedir um "meio galo" num bar ou restaurante de Colônia, receberá apenas um pãozinho de centeio com (muita) manteiga, duas fatias grossas de queijo gouda e um montinho de mostarda. Um equívoco intencional, nascido do safado humor renano.
"Das ist mir zu viel!" – Você fez uma proposta a alguém, a pessoa respondeu assim, e você pensa que está abafando. Afinal, a tradução literal é: "É demais para mim!". Condolências: você acabou de levar um fora e nem sabe. Enquanto para um brasileiro o excesso é positivo, "ser demais" é percebido pelos alemães como negativo. Interessante objeto de estudo para filólogos, psicólogos e sociólogos.
Como se diz "telefone celular" em alemão? – Esta é para adiantados. Os alemães não falam ao "Zelltelefon" (como brasileiros e norte-americanos), nem por "Mobilfon" (mobile para os ingleses, telemóvel em Portugal), ou "tragbares Telefon" (portable na França), e muito menos "Telefönchen" (telefonino na Itália). Aliás, cada país parece querer ser mais original do que o outro ao dar nome a esse melhor amigo do ser humano moderno. A denominação do celular na Alemanha (e Áustria) é um pseudo-anglicismo: Handy ou (horror supremo!) Händi. Também adotado em vários países asiáticos, o vocábulo vem do inglês, não está bem claro se a partir de handphone (telefone de mão) ou handy phone (telefone prático).
É, às vezes o alemão não é tão fácil quanto parece. Mas não perca a coragem!
Fonte: DW-World

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